terça-feira, 14 de setembro de 2010

PELA QUEBRA GENERALIZADA DE SIGILOS



Todo eleitor deveria poder acessar, pela internet, a evolução patrimonial de membros dos governos

“Ao que tudo indica, o debate eleitoral acabou. De hoje até o final de setembro, a campanha tende a ser apenas uma gestão e exploração de escândalos e crises.

Nesse sentido, esta deve repetir o que foi o final da eleição de 2006.

Todos os analistas insistiam que apenas um fato novo poderia mudar as tendências eleitorais. Como sempre, o fato novo não poderia ser outra coisa que um escândalo. Velho fato novo.

No entanto, seria interessante aproveitar tais escândalos para colocar na pauta do debate reformas efetivas de práticas de governo.

Em um país onde os casos de corrupção têm a característica bizarra de envolver sistematicamente partidos de situação e oposição, é difícil acreditar que alguém esteja efetivamente interessado em propor novas práticas.

Veja o paradigmático caso do mensalão. O PT resolve aproveitar-se de um esquema de financiamento de campanhas e compra de deputados criado no governo anterior e envolvendo diretamente o então presidente do PSDB [o grande, mas abafado pela mídia, "mensalão tucano". Até hoje, o PSDB não expulsou os envolvidos, que continuam até senadores disfarçados de honestos. Também, foi escondido pela mídia o cinematográfico "mensalão do DEM", que passou a ser maldosamente noticiado somente como "mensalão de Brasília"...].

A sociedade descobre, assim, que nenhum consórcio governista funciona neste país sem tal tipo de prática. Ou seja, estamos diante de um grave problema de funcionamento institucional do sistema político brasileiro.

No entanto, as propostas para reverter tal quadro, como financiamento público de campanhas e fim de contratos de governos com agências de publicidade, não foram realmente encampadas por ninguém.

Agora temos o escândalo da quebra de sigilo de ex-membros do primeiro escalão do governo FHC envolvidos com [o escândalo das] privatizações [no governo FHC/Serra/PSDB/DEM], além de [violação e rigoroso segredo de dados sigilosos de] parentes do candidato oposicionista. [Os tais sigilos, porém, mesmo “quebrados”, foram estranhamente mantidos secretos até hoje. O público não sabe que coisas assim tão cabeludas eles contêm. Nem mesmo “os blogs sujos”, como Serra se refere à blogosfera. O enorme escarcéu feito pelos tucanos e pela mídia atiça a curiosidade].

Para além da necessidade inquestionável de punir o crime, deveríamos aproveitar a situação para propor algo que pudesse acabar de vez com dossiês dessa natureza: a abertura do sigilo fiscal de todos aqueles que [ocupam e] ocuparam o primeiro escalão do governo federal [e estadual e municipal].

Membros do primeiro escalão são pessoas que gerem bens públicos, responsáveis por processos onde o dinheiro público está sempre presente.

Por isso, a sociedade tem o direito de saber como tais pessoas entraram no governo, como elas saíram e como foi a evolução patrimonial de seus anos subsequentes.

Elas não são mais pessoas privadas. A partir do momento que se responsabilizaram pelo uso do dinheiro público, elas se transformaram em pessoas públicas.

Todo eleitor deveria poder acessar, pela internet, a evolução patrimonial de pessoas como José Dirceu, Eduardo Jorge, Luiz Gushiken, Mendonça de Barros [Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Eduardo Azeredo, José Roberto Arruda, Armínio Fraga, Pedro Malan, Gilmar Mendes] e qualquer outro que ocupou cargos de primeiro escalão.

Não porque eles são suspeitos de algo, mas porque a gestão do bem público exige transparência absoluta das pessoas privadas, a vigilância efetiva e constante da sociedade civil em relação àqueles que gerem o Estado.

Assim seríamos, entre outras coisas, poupados da atual situação de parar um debate eleitoral por causa de um dossiê a respeito do qual nem sequer sabemos o conteúdo.”

FONTE: escrito por Vladimir Safatle, professor no departamento de filosofia da USP, e publicado na Folha de São Paulo 

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